Dra. Gisele Trasfereti

A icterícia é uma condição muito comum em recém-nascidos, caracterizada pela coloração amarelada da pele e dos olhos. Isso acontece devido ao aumento da bilirrubina no sangue, uma substância produzida durante a quebra natural das células vermelhas. No caso dos bebês, especialmente nos primeiros dias de vida, o fígado ainda está em processo de amadurecimento e pode não ser eficiente o suficiente para eliminar a bilirrubina de maneira adequada.

Essa condição é bastante frequente e, na maioria dos casos, não representa um risco grave, sendo chamada de icterícia fisiológica. No entanto, em algumas situações, como em casos de incompatibilidade sanguínea ou infecções, a icterícia pode ser mais grave e requerer tratamento imediato para evitar complicações, como danos neurológicos.

Causas de Icterícia em Recém-Nascidos

A icterícia em recém-nascidos pode ter diferentes causas, e isso ajuda a entender por que ela aparece e como tratá-la.

Imaturidade do fígado:

O fígado do bebê, especialmente nos primeiros dias de vida, ainda está em desenvolvimento. Ele não consegue processar a bilirrubina de forma eficiente, o que faz com que ela se acumule no sangue.

Aumento da destruição de glóbulos vermelhos:

Os recém-nascidos têm mais glóbulos vermelhos do que adultos, e esses glóbulos são quebrados rapidamente após o nascimento. Esse processo libera mais bilirrubina no organismo.

Incompatibilidade sanguínea:

Em alguns casos, quando o sangue da mãe e do bebê são incompatíveis (como no caso de fator Rh ou tipo ABO), o corpo da mãe pode produzir anticorpos que atacam os glóbulos vermelhos do bebê, aumentando ainda mais a bilirrubina.

Dificuldade na alimentação:

Bebês que têm dificuldade para se alimentar ou para amamentar podem ter maior risco de icterícia, porque não estão eliminando a bilirrubina através das fezes de forma adequada.

Infecções ou problemas de saúde:

Algumas infecções ou condições de saúde mais raras, como problemas no fígado ou na vesícula biliar, podem interferir na eliminação da bilirrubina.

Tipos de Icterícia em Recém-Nascidos

Icterícia fisiológica:

É a mais comum e geralmente aparece entre o segundo e o quarto dia de vida. É considerada normal e tende a desaparecer sozinha conforme o fígado do bebê amadurece.

Icterícia do leite materno:

Em alguns casos, substâncias presentes no leite materno podem interferir temporariamente na eliminação da bilirrubina. Apesar disso, a amamentação não deve ser interrompida, pois o benefício do leite materno supera essa condição, que geralmente é leve.

Icterícia patológica:

Surge nas primeiras 24 horas de vida ou apresenta níveis muito elevados de bilirrubina. Pode estar associada a condições como incompatibilidade sanguínea, infecções ou problemas de saúde do bebê, e requer tratamento imediato.

Icterícia associada à prematuridade:

Bebês prematuros têm maior probabilidade de desenvolver icterícia porque seus órgãos, incluindo o fígado, são ainda menos maduros.

Icterícia por hemólise:

Ocorre quando há destruição excessiva de glóbulos vermelhos, como nos casos de incompatibilidade sanguínea ou doenças genéticas.

Existem Ações Preventivas para a Icterícia Neonatal?

Sim, existem algumas ações preventivas que podem ajudar a minimizar o risco de icterícia neonatal ou a evitar que ela se torne grave. Embora a icterícia seja comum e muitas vezes inevitável devido à imaturidade natural do fígado dos recém-nascidos, algumas medidas podem fazer a diferença no cuidado e no acompanhamento.

Amamentação eficaz e frequente

Início precoce da amamentação: Amamentar o bebê logo após o nascimento, preferencialmente na primeira hora de vida, ajuda a estimular a produção de leite materno e o funcionamento do intestino do bebê.

Alimentação frequente: Garantir que o bebê seja amamentado de 8 a 12 vezes por dia nos primeiros dias evita a desidratação e facilita a eliminação da bilirrubina pelas fezes.

Identificação de fatores de risco antes do nascimento

Triagem pré-natal: Durante o pré-natal, o pediatra pode identificar possíveis fatores de risco, como incompatibilidade sanguínea entre a mãe e o bebê (fator Rh ou tipo ABO), que podem causar icterícia. Em casos de risco elevado, medidas preventivas, como a aplicação de imunoglobulina anti-D, podem ser realizadas.

Cuidados com gestações de alto risco: Bebês prematuros ou com condições associadas devem ser monitorados mais de perto após o nascimento.

Monitoramento precoce do recém-nascido

Exame físico regular: A observação da pele, dos olhos e do comportamento do bebê nos primeiros dias ajuda a identificar sinais de icterícia logo no início.

Teste da bilirrubina: Em casos de suspeita, a bilirrubinometria (medição dos níveis de bilirrubina no sangue) é fundamental para determinar a gravidade e a necessidade de tratamento.

Incentivo à evacuação frequente

A bilirrubina é eliminada pelas fezes. Garantir que o bebê esteja evacuando regularmente, com uma alimentação adequada, reduz os níveis da substância no organismo.

Luz solar indireta e cuidados gerais

A exposição à luz solar indireta, por curtos períodos e com supervisão, pode ajudar a reduzir casos leves de icterícia. Porém, não substitui a fototerapia, indicada para níveis elevados de bilirrubina.

Educação e orientação para os pais

Ensinar os pais a reconhecerem os sinais de icterícia (como a pele e os olhos amarelados) e a importância de levar o bebê ao pediatra para avaliações regulares é essencial para a detecção precoce e o tratamento oportuno.

Sobre a Dra Gisele Trasfereti

A Dra. Gisele Trasfereti é pediatra e neonatologista com mais de 20 anos de experiência, especializada em cuidados intensivos neonatais. Ela realizou estágio na UTI Neonatal da University of Miami Miller School of Medicine e é membro da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Veja o que os pacientes da Dra. Gisele Trasfereti estão comentando:

Tratamento e Intervenções

O tratamento da icterícia neonatal depende da gravidade da condição, dos níveis de bilirrubina no sangue e da causa subjacente. Na maioria dos casos, a icterícia é leve e se resolve sozinha. No entanto, em situações mais graves, é necessário intervir para evitar complicações. Aqui estão os principais tratamentos e intervenções:

Observação e monitoramento

Casos leves (icterícia fisiológica): A icterícia costuma desaparecer sozinha à medida que o fígado do bebê amadurece. Nesse período, é essencial monitorar o bebê, garantir uma boa alimentação e observar se os sintomas estão diminuindo.

Avaliação frequente dos níveis de bilirrubina: Exames laboratoriais ou bilirrubinometria transcutânea são usados para acompanhar a evolução.

Fototerapia

É o tratamento mais comum para casos moderados ou graves.

Como funciona: A luz especial da fototerapia (geralmente azul ou branca) ajuda a transformar a bilirrubina no sangue em uma forma que o corpo do bebê pode eliminar facilmente através da urina e das fezes.

Procedimento: O bebê fica exposto à luz com apenas uma fralda e proteção nos olhos, garantindo segurança e eficiência.

É indolor e muito eficaz para reduzir rapidamente os níveis de bilirrubina.

Exsanguinotransfusão (em casos graves)

Indicada para casos graves, quando a bilirrubina atinge níveis perigosamente altos que não respondem à fototerapia.

Como funciona: Parte do sangue do bebê é removida e substituída por sangue saudável de um doador. Isso reduz rapidamente os níveis de bilirrubina e corrige problemas como anemia causada por destruição excessiva de glóbulos vermelhos.

Procedimento realizado em ambiente hospitalar sob cuidados rigorosos.

Alimentação adequada

A amamentação frequente (8 a 12 vezes ao dia) é essencial para evitar a desidratação e estimular a eliminação de bilirrubina pelas fezes.

Nos casos em que a amamentação exclusiva é insuficiente, pode-se complementar com fórmula, conforme orientação médica.

Tratamento da causa subjacente

Incompatibilidade sanguínea (Rh ou ABO): Em casos de icterícia causada por incompatibilidade entre o sangue da mãe e do bebê, pode ser necessário o uso de uma medicação,  a imunoglobulina intravenosa (IGIV), para reduzir os níveis de anticorpos no sangue do bebê.

Infecções ou problemas no fígado: Tratamento direcionado à condição específica que está agravando a icterícia.

Exposição à luz solar indireta (casos leves)

A exposição controlada à luz solar indireta pode ajudar a reduzir níveis baixos de bilirrubina. No entanto, isso não substitui a fototerapia em casos moderados ou graves.

Principais Riscos de uma Intervenção Tardia

A intervenção tardia em casos de icterícia neonatal grave pode trazer sérios riscos à saúde do bebê. Quando os níveis de bilirrubina no sangue ficam muito elevados (hiperbilirrubinemia), a substância pode atravessar a barreira hematoencefálica e afetar o cérebro, causando complicações que podem ser irreversíveis.

1. Kernicterus

  • O kernicterus é uma condição grave e rara, causada pelo acúmulo de bilirrubina no cérebro (encefalopatia bilirrubínica).
  • Consequências:
    • Paralisia cerebral.
    • Deficiência intelectual.
    • Problemas de audição (perda auditiva neurossensorial).
    • Movimentos anormais (distonia).
    • Problemas de visão.

2. Encefalopatia bilirrubínica aguda

  • É o estágio inicial do kernicterus e pode ocorrer em bebês com níveis muito altos de bilirrubina.
  • Sinais e sintomas:
    • Letargia ou dificuldade para acordar.
    • Falta de apetite ou dificuldade para mamar.
    • Choro agudo e persistente.
    • Rigidez ou flacidez muscular.
    • Febre.
  • Se não tratada rapidamente, pode evoluir para kernicterus.

3. Retardo no desenvolvimento

  • Mesmo em casos onde o kernicterus não se desenvolve completamente, níveis elevados de bilirrubina podem afetar o desenvolvimento neurológico, levando a atrasos em marcos de crescimento e dificuldades cognitivas.

4. Anemia severa

  • Se a icterícia for causada por destruição excessiva de glóbulos vermelhos (como em incompatibilidade sanguínea), a anemia pode ser uma complicação, comprometendo a oxigenação dos tecidos e causando problemas adicionais.

5. Infecções agravadas

  • Em bebês com icterícia associada a infecções (como sepse neonatal), o tratamento tardio pode permitir que a infecção se dissemine, aumentando o risco de complicações graves ou até óbito.

Recomendação Geral para os Pais

1. Fique atento aos sinais de icterícia

  • Observe se a pele ou os olhos do bebê estão ficando amarelados, especialmente no rosto, no peito ou nas pernas.
  • Preste atenção em comportamentos incomuns, como sonolência excessiva, dificuldade para acordar ou mamar, e choro agudo.

2. Priorize a amamentação

  • Amamente frequentemente (8 a 12 vezes ao dia) nos primeiros dias, para garantir que o bebê esteja bem alimentado e hidratado. Isso ajuda a eliminar a bilirrubina pelas fezes.
  • Se tiver dificuldades na amamentação, peça ajuda ao pediatra.

3. Realize o acompanhamento neonatal

  • Compareça às consultas de rotina do bebê, especialmente nos primeiros dias após a alta hospitalar, geralmente entre 48 e 72 horas.
  • Pergunte ao pediatra sobre o teste de bilirrubina, principalmente se notar sinais de icterícia ou se o bebê tiver fatores de risco (como prematuridade).

4. Não hesite em procurar ajuda médica

  • Procure o pediatra imediatamente se o bebê apresentar:
    • Pele e olhos muito amarelados.
    • Sonolência extrema ou dificuldade para mamar.
    • Diminuição na frequência das evacuações ou urina escura.

5. Evite tratamentos caseiros sem orientação

  • Embora a luz solar indireta possa ajudar em casos leves, ela não substitui a fototerapia em casos moderados ou graves. Sempre siga a orientação do pediatra.
  • Uso de banhos de chá, como o de “Picão”.

6. Mantenha-se informado

  • Peça explicações ao pediatra sobre a icterícia e os cuidados necessários.
  • Entenda que a maioria dos casos é resolvida de forma tranquila, mas o monitoramento é essencial para evitar complicações.

Com os avanços na medicina e o acesso a informações, é possível tratar a icterícia de forma eficaz, garantindo que os recém-nascidos tenham um início de vida saudável. A colaboração entre pais e profissionais de saúde desempenha um papel crucial na prevenção de riscos e no cuidado integral do bebê. Assim, a icterícia neonatal, quando bem manejada, não é motivo para preocupação excessiva, mas sim para atenção e acompanhamento adequados.

Referência Bibliográfica

  • American Academy of Pediatrics (AAP). Management of Hyperbilirubinemia in the Newborn Infant 35 or More Weeks of Gestation. Pediatrics, 2004.
  • World Health Organization (WHO). Jaundice in newborns. Geneva: World Health Organization, 2017.
  • Brasil, Ministério da Saúde. Protocolos de manejo da icterícia neonatal. 2014.
  • Mayo Clinic. Neonatal Jaundice. Available at: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/neonatal-jaundice/diagnosis-treatment/drc-20326948

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